“O passado não é um fóssil imutável”. Assim define o professor Esdras Gusmão de Holanda Peixoto, coordenador do curso de Direito do Centro Universitário Tiradentes (Unit Pernambuco), sobre o ensino de História em tempos que tantas mudanças acontecem de maneira rápida. Para ele, a História é o estudo dos processos históricos e não somente de um conjunto de fatos, nomes e idades. “Esses processos se modificam de acordo com a mentalidade coletiva, ou uma forma de olhar mais técnica e ideológica. Há uma tendência, na História, do revisionismo, ou seja, olhar para algo a partir de outro ponto de vista, analisando outros elementos, documentos e registros, mesmo que sejam orais”, explica.
Um exemplo prático disso, citado por ele, é um episódio recente e polêmico: a queima de uma estátua erguida em homenagem ao bandeirante Manuel de Borba Gato (1649-1718), no bairro de Santo Amaro, em São Paulo. O ato foi assumido por ativistas políticos ligados a movimentos antirracistas, que acusam o personagem de escravizar indígenas no Brasil Colônia, durante os séculos XV e XVI, e que contestam o discurso adotado por boa parte da historiografia oficial, que atribui aos bandeirantes paulistas o papel de desbravadores do território brasileiro. Os mesmos movimentos defendem que a estátua de Borba Gato seja substituída por outra, mas da líder quilombola Tereza de Benguela (1700-1770).
“No processo histórico construído anteriormente, a estátua simboliza a figura de um herói, mas para um certo pensamento crítico e revisionista da história, Borba Gato passou a ser visto como uma pessoa sem caráter e genocida, para usar a palavra do momento. Posso, inclusive, fazer um paralelo entre ele e os genocidas dos séculos XX e XXI, e me sinto legitimado para isso, em dizer que ele foi um genocida dos primeiros brasileiros no século em que viveu, [pois o bandeirante devastou etnias indígenas e as escravizou]. Assim, podemos desconstruir a história revisitando-a com outras fontes e parâmetros, que são construídos coletivamente, de modo a ressignificá-la”, afirmou Esdras.
Professor como mediador
Por outro lado, há o desafio de interpretar os fatos atuais ou recentes como históricos e definidores dos rumos da humanidade, como vem sendo sentido em episódios como os Atentados de 11 de Setembro e a pandemia da Covid-19, cujos desdobramentos vêm sendo sentidos até hoje em muitos setores e em todo o mundo.
A professora Eunice Aparecida Borsetto, tutora dos cursos de História e Pedagogia EaD da Universidade Tiradentes (Unit Sergipe), considera o papel do professor como o de um mediador. “Cabe ao professor mediar e possibilitar que o aluno faça a ponte entre o conteúdo histórico estudado e o momento atual, sendo essa habilidade uma das principais ferramentas de construção de um cidadão mais consciente de seus direitos e deveres”, conceitua ela, frisando que pode haver deficiências nas interpretações, inclusive por falta de conhecimento histórico ou mesmo pelas desigualdades sociais. “Mas para minimizar essas deficiências, o professor deve estar sempre se capacitando e trabalhando com metodologias ativas e ferramentas atrativas, como a utilização de filmes, games, história em quadrinhos, etc.”, orienta.
Ressignificar a História?
Ressignificação é um termo muito utilizado na Psicologia e pode ser aplicado na História, diz Esdras, de modo a dar ao passado um novo entendimento, seja com caráter negativo ou positivo, é isso é feito por meio da memória coletiva. “A história é uma construção de memória coletiva da humanidade, ou de um grupo social, por isso a memória vive em dois tempos: o tempo do passado, sempre se elaborando e o tempo do presente, sempre se alimentando das novidades para poder ser reescrito”, considera.
Para ele, ensinar História é o “desafio do dinamismo” pois é preciso fazer com que os alunos possam refletir criticamente sobre o presente a partir de experiências pretéritas. “E a consciência histórica pode ser compreendida como um trabalho mental, intelectual e cognitivo que tem por objetivo fazer a conexão entre as experiências vividas pelas gerações dos seres humanos ao longo da história com o nosso tempo por meio do chamado processo histórico”, explica o professor.
Já a professora Eunice evoca um conceito do filósofo Mario Sergio Cortella: “A verdade é uma construção histórica social e cultural, elaborada por um grupo determinado de homens e mulheres”. E complementa que “conhecer e compreender os processos históricos não impossibilita que cometamos os mesmos erros do passado, mas servem como alerta e ampliação de nossos horizontes sobre a situação presente”.
Asscom | Grupo Tiradentes