Mesmo com a evolução dos direitos das mulheres e uma maior presença delas no mercado de trabalho, nas esferas de poder e no espaço público, um comportamento da sociedade ainda persiste e causa-lhes um grande incômodo: a pressão para ser mãe. Não é raro ouvir relatos de mulheres que se queixam das constantes perguntas, pedidos, recados, críticas e até piadas de amigos, colegas de trabalho e até da própria família, pelo fato de não poder ou, simplesmente, não querer ter filhos. Seja momentaneamente, ou em definitivo. E surge a pergunta: “Por quê essa ânsia?”.
Pode-se dizer que ela vem de um comportamento social que reproduz uma lógica comum ao longo da história: o predomínio da vontade do homem sobre a autonomia da mulher. É o que explica a professora e assistente social Silmara Mendes Costa Santos, doutora em Serviço Social e docente do curso de Medicina do Centro Universitário Tiradentes (Unit Alagoas). “A reprodução do patriarcado e da lógica heterossexista exerce um controle sobre a subjetividade, o corpo e a sexualidade da mulher, impondo um modo de ser feminino e masculino. Deste modo, a constante cobrança às mulheres para que elas sejam mães, nasce da das relações patriarcais de gênero, socialmente determinadas, com base nas relações concretas”, afirma ela.
A explicação mais comum para esse impasse está na falta de sintonia entre os fatores corporais e emocionais. Biologicamente, a faixa etária considerada mais propícia para a gravidez vai dos 20 aos 40 anos, quando as funções hormonais das mulheres favorecem a procriação. No entanto, muitas nesta faixa não se consideram preparadas emocionalmente ou financeiramente para ter um filho, simplesmente não querem ou optam por se dedicar mais à carreira e aos estudos. Afinal, é uma decisão que muda a vida da pessoa para sempre.
No entanto, a professora avalia que as raízes das cobranças por filhos estão nas estruturas sociais moldadas conforme o patriarcado. “As relações sociais de gênero, com base na estruturação patriarcal, determinam a constituição da família heteropatriarcal-monogâmica, associada ao controle sobre a subjetividade e o corpo, como o controle da procriação, associando ao feminino em toda sua heterogeneidade de expressão”, diz ela, citando a filósofa e ativista francesa Simone de Beauvoir (1908-1986) que, em sua obra O segundo sexo, afirma que “ninguém nasce mulher: torna-se”. “Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualifica de feminino”, acrescenta Silmara.
Ainda de acordo com a assistente social, questionar as cobranças à mulher ter filhos não se trata de qualificar esse comportamento com o “bom ou ruim”, mas apenas de “respeitar o tornar-se mulher” de cada uma. “No nosso ponto de vista, nem a maternidade, nem a paternidade podem ser mediações para o pleno desenvolvimento dos indivíduos. Deste modo, as cobranças da maternidade não podem criar obstáculos ao desenvolvimento das mulheres, sendo assim, para que as mulheres sejam plenamente livres, é preciso respeitar as suas escolhas e vontades”, esclarece.
Mulheres e aborto
Muito além das relações familiares e afetivas, o conflito criado pela exigência das sociedades por ter filhos também atinge uma discussão ainda mais complexa: o direito ao aborto, que foi legalizado recentemente na Argentina e ainda é restrito a pouquíssimos casos no Brasil, onde suas propostas de descriminalização enfrentam uma fortíssima reação contrária de grupos religiosos e conservadores.
A professora da Unit também qualifica esse aspecto como outra forma de domínio à mulher. “O controle sobre a subjetividade e o corpo da mulher envolve, além da procriação, o controle do aparelho reprodutivo feminino, sendo o aborto criminalizado. Às mulheres não é permitido o direito de decidirem sobre a maternidade. Deste modo, a sexualidade das mulheres e o aborto são tratados de forma conservadora, dificultando o acesso à informação e acompanhamento adequado pelo sistema de saúde e educação” afirma Silmara, destacando que “controlar a vida e os corpos das mulheres é uma violência”.
O respeito das pessoas e das sociedades à autonomia da mulher é uma das principais causas do movimento feminista, desde o seu surgimento. Para a especialista, o feminismo busca apreender a realidade histórica, reconhecer as particularidades da sociedade e entender a desigualdade entre homens e mulheres como algo histórico e não natural.
“Deste modo, é importante estimulá-lo em todos os âmbitos e meios de comunicação, seja nas universidades, redes sociais, espaços públicos e ambientes de trabalho. Acredito numa geração de jovens que não permitirão que a desigualdade de gênero gere tanta violência contra a mulher, sendo mãe ou não”, finalizou.
Asscom | Grupo Tiradentes