Qual pernambucano nunca escutou uma música do cantor recifense Reginaldo Rossi? Seja no bar, no carro ou até mesmo numa festa de formatura ou casamento? E Conde do Brega, Kelvis Duran, Augusto César, Maurício Reis, Wando e Waldick Soriano são verdadeiros ícones desse conceito. Será crunge? ? Nesse palco, também tem presença feminina, como a cantora Michelle Melo. São alguns dos nomes locais e nacionais, que conquistaram o gosto do pernambucano e se popularizaram. Que tiveram seu momento de fama. Mas tem gente que torce o nariz e estranha esse gênero musical, que embala amores e sofrência.
Mais recentemente, começou a surgir, aqui e acolá, nova safra repaginada. Muita gente se viu envolvida, por exemplo, na dança do passinho, que começou a aparecer nas redes sociais, tv e rádio. Será brega? Bem, tanta coisa que parece não estar nos moldes, digamos tradicionais, são rotuladas de brega, não é verdade?
Mas se engana quem acha que esse ‘jeito diferente’ envolve apenas o estilo musical. Todo mundo já deve ter escutado alguma vez que a roupa não estava combinando, era fora de moda ou muito chamativa. E aí é logo denominada como brega, cafona ou simplesmente cringe, nesse curioso conflito entre gerações Y e Z, nos dias atuais.
Independente da preferência, o fato é que uma força une todos esses elementos: o brega. Esse movimento – que também pode ser considerado ritmo, gênero musical e personalidade – transcendeu todos os nomes e características possíveis e se incorporou até no comportamento.
Patrimônio Cultural Imaterial
A música brega também ultrapassou os âmbitos de gênero – virou manifestação cultural. A Câmara Municipal do Recife aprovou, no dia 1° de junho deste ano, um projeto de lei, que torna o movimento um Patrimônio Cultural Imaterial do Recife. O PL 01/2021 foi sancionado pelo prefeito João Campos. O brega ganhou até uma data no calendário recifense. O Dia Municipal da Música Brega, dia 14 de fevereiro, e instituído conforme lei nº 18.474/2018.
“Eu acho muito interessante. Finalmente nossa cultura está sendo reconhecida e pode ser divulgada ao mundo. Uma cultura que antes era muito criticada. Hoje, está sendo valorizada por artistas de alto escalão e também famosos, gerando até dancinhas em aplicativos, como o TikTok. Futuramente iremos conquistar muito mais”, opinou Will Rodrigo, integrante da equipe do Diretório Acadêmico da Unit-PE e grande admirador do universo brega. “É um ritmo cheio de variedades, que agrada ao público de várias gerações. É um ritmo romântico que não tem distinção de classe social”, falou.
Jeito de vestir e decorar também são marca registrada
O vestuário com muitos adereços, cores e sobreposições também se encaixa nas ramificações desse universo. O humorista cearense Falcão, com suas roupas coloridas e a flor amarela na lapela, é exemplo desse estilo. Ele ganhou visibilidade nacional e também faz sucesso aqui no Estado. E tem inspirado muita gente. Inclusive na criação de personagens de tradicionais festas bregas no Recife e entorno.
O modo de falar, com dialeto tão próprio, também se encaixa no movimento. Principalmente quando se trata de regionalidade. Gírias e expressões de uma região podem compor o que é ser brega, já que são elas que formam uma população e trazem o ar de tradição. A decoração aparece na forma de tema de festas, na elaboração de tecidos para mantas, na exploração de diferentes cores e na ousadia de ser original.
Diversidade e pluralidade
Para Allan Araújo, ex-aluno de Direito da Unit-PE, o brega junta todos esses conceitos e forma algo único. “O brega representa a diversidade e pluralidade entre as pessoas, principalmente entre as comunidades do Recife. Também tem a liberdade de expressar os sentimentos de forma mais clara e popular”, afirmou. Ele vê o sucesso na região como forma de identificação, através da música e jeito de ser. “Acredito que as comunidades abraçaram o estilo do brega, pois se identificaram com o estilo de vida do recifense. Temos como exemplo Reginaldo Rossi, rei do brega, com suas músicas falando dos bairros de Recife e sua boemia”, ressaltou.
Tudo começou como uma melodia romântica
Esse estilo, jeito de pensar, não é de hoje. O brega surgiu na década de 1960 como gênero musical, sendo uma melodia romântica, sem grandes elaborações, vinda das camadas populares e considerada cafona e até mesmo deselegante. Mas os cantores Cauby Peixoto, Orlando Dias e Carlos Alberto já cantavam algo muito próximo do estilo, em meados da década de 1940 e 1950.
Anos depois, o ritmo teve mais aceitação e foi amplamente difundido pelas mãos dos cantores Reginaldo Rossi e Amado Batista, além das bandas Calypso e Dejavu. Mais recentemente, com o surgimento do bregafunk, no Recife, além do brega pop e tecnobrega, o movimento se expandiu e ganhou fama: principalmente pela participação de Duda Beat, Dadá Boladão, Mc Tróia e Gaby Amarantos. O que era visto como ruim e de má qualidade foi aceito.
É Cringe?
Amplamente difundido na internet e redes sociais, o termo “cringe”, nos dias de hoje, significa algo vergonhoso e cafona. O termo gerou uma briga entre os Milennials – nascidos entre 1980 e 1990 – e a Geração Z – nascidos entre 1995 e 2010 -, já que cada grupo tem sua cultura e opiniões de vivência. Fato é que o brega pode se misturar e se entrelaçar com o cringe, já que ambos podem ser vistos e definidos como “ultrapassados”.
A geração presente também pode ver os artistas do passado brega como cringes e atrasados, mas o movimento não se torna velho por isso. Pelo contrário: ele continua em alta e a chamada geração Z pode não escutar os artistas mais velhos, mas eles têm na playlist a nova geração de artistas do brega. Afinal, eles que divulgam e mantêm a cultura do movimento viva.