Foram quatro anos ou mais de dedicação na faculdade. Noites mal dormidas para terminar trabalhos, estudar para exames e muita correria para não perder aulas. Com conteúdo superatualizado, um recém-formado pode estar tecnicamente pronto para o mercado de trabalho, mas, dependendo de seu grau de amadurecimento, ainda precisa desenvolver competências socioemocionais não estimuladas nas universidades, consideradas imprescindíveis pelos recrutadores.
“Hoje, as empresas têm preferido treinar as competências técnicas em um candidato com potencial, e que tem autoconhecimento o suficiente para saber seus desafios e habilidades, do que lidar com dificuldades de caráter, que são cada vez mais comuns e causam um deficit de líderes”, avalia Sônia Gurgel, Diretora de Novos Produtos e Serviços da ABRH (Associação Brasileira de Recursos Humanos).
Além de liderança, um mínimo de conhecimento próprio, domínio dos impulsos, inovação, bom relacionamento interpessoal e capacidade de decisão são aspectos que, apesar de normalmente virem com a maturidade, devem ser estimulados o quanto antes.
O estágio tem um papel importante para consolidar essas habilidades, mas muitos deles não conseguem alcançar esse objetivo. É por isso que algumas universidades têm iniciativas para ajudar o jovem a descobrir essas competências desde os primeiros semestres. “O jovem é muito imediatista. Acha que com conhecimento técnico ele vai conseguir resolver tudo e em dois anos vai ter um cargo de gerência. Ele também não tem um networking estruturado, a quem pode recorrer para pedir ajuda”, observa o professor Ney Kloster, da UFTPR (Universidade Tecnológica Federal do Paraná).
Kloster leciona há 35 anos em cursos de Engenharia. Observando a dificuldade de alguns alunos tecnicamente bons, porém fracassados no mercado de trabalho pela falta dessas habilidades, decidiu promover, com a ajuda de outros professores, projetos de apoio. “Começamos a trabalhar com o livro ‘O Monge e o Executivo’ [de James C. Hunter] e filmes durante o semestre, mas ficou muito longo. Depois desenvolvemos um seminário, que existe até hoje e cresceu para outras universidades”, conta. Neste semestre, está em curso a 25ª edição do Seminário de Excelência Humana e Profissional. “Não fazemos muita divulgação porque, além dos seminários, realizamos uma assessoria individual e experiência de trabalho voluntário”, explica.
Outros caminhos
Nem todos os alunos podem usufruir de iniciativas como essa ou ter uma experiência profissional em um ambiente propício para perceber as lacunas de caráter e remediá-las. Às vezes, pela pesada carga horária de alguns cursos, como os de Medicina ou Engenharia, os estudantes demoram a ingressar no mercado de trabalho. Nesses casos, qualquer incursão profissional durante a graduação como, por exemplo, a participação em feiras e congressos, pode ser um bom caminho. “O contato com a realidade profissional é muito importante; nela é possível observar o respeito à hierarquia e a lidar com erros e acertos”, afirma a psicóloga Daniella Forster, coaching da PUC Talentos.
A coaching aconselha ainda os alunos a saírem “da bolha” das relações costumeiras. “Projetos assistenciais com alguma prática aos fins de semana ou nas férias também tiram o jovem desse isolamento de resolver as coisas on-line, sempre sozinho”, lembra.
Apesar das dificuldades de tempo para ajudar em casa, dividir as tarefas familiares é uma grande fonte de conhecimento próprio, de aprender a lidar com desafios em equipe, admitir falhas e recomeçar sem dramas. A outra importante fonte de desenvolvimento dessas habilidades é ser responsável nos estudos: ao procurar cumprir os prazos de entrega de trabalhos, fazer um cronograma e segui-lo, o jovem se prepara para fazer o mesmo no mercado de trabalho.
“Dar conta das responsabilidades inerentes a este momento é uma forma de se desenvolver. Recomendo que cada estudante reserve um tempo e analise quais competências consegue ver em si mesmo, que podem ter sido desenvolvidas ou reforçadas justamente por estar na faculdade”, considera Larissa Meiglin, supervisora de carreira da Catho.
Segundo a supervisora, inúmeras atividades acadêmicas também oferecem grandes chances de adquirir essas competências, como participar de grupos esportivos ou de uma empresa júnior, atuar como monitor de alguma matéria, ser voluntário ou criar um projeto extracurricular.
6 habilidades não ensinadas em sala de aula
Veja uma lista de competências pouco abordadas no dia a dia das universidades:
1) Conhecimento próprio – É a competência mais desafiadora, pois é difícil tanto identificar quais são as próprias qualidades e falhas como saber lidar com elas, tarefas para toda a vida. Envolver-se em mais atividades durante a universidade, como fazer parte do centro acadêmico, é importante para conhecer os próprios pontos de atenção. Quem mora sozinho ou com colegas também tende a se deparar com as próprias dificuldades. Testes de personalidade e aconselhamento de um orientador profissional podem ajudar.
2) Domínio de si – Segurar a impulsividade é outro desafio importante, pois ela é fonte de brigas e demissões. Neste ponto, é importante saber ouvir a família, os professores e os amigos. São as pessoas de confiança que vão mostrar os pontos em que é necessário melhorar já que, muitas vezes, o interessado se engana com o modo com que resolveu os assuntos até então. Nem sempre as palavras e gestos são interpretados da maneira como se pensa. Como a crítica pode ser difícil de ouvir, melhor escolher com cuidado as pessoas a quem pedir feedbacks.
3) Liderança – Assumir a linha de frente de um trabalho ou projeto durante a faculdade pode parecer pouco, mas é o primeiro passo para treinar essa competência. Responder pelo trabalho de um grupo é importante, assim como observar e ser liderado também. O trabalho em equipe é primordial porque desta maneira é possível reconhecer outros estilos de liderança e incorporar ideias e vivências.
4) Inovação – Também não é um aspecto que se construa da noite para o dia, mas é muito valorizado pelas empresas. O treino na faculdade começa em pensar em maneiras criativas de abordar ou apresentar um trabalho. Uma prática que deve ser constante é a de pesquisar a fundo as novidades da área de interesse e usá-las como inspiração. Quando é preciso planejar algo, é necessário reservar um tempo para pensar em inovação. Com esse exercício, a criatividade pode virar rotina.
5) Facilidade de relacionamento – Outro ponto que, para ser fácil, precisa tornar-se um hábito. Ajuda investir em conhecer e estar envolvido em grupos diferentes de pessoas, buscando se adaptar a cada um deles, pois mesmo que isso não seja fácil (pelo menos não para todo mundo), certamente coloca o interessado à frente dos concorrentes. Saber lidar com personalidades diferentes é sinal de inteligência emocional.
6) Capacidade de decisão – A melhor forma de tomar uma decisão é estar pautado em fatos e dados concretos, pois é a partir deles que é possível fazer uma análise da situação e optar sobre o que será melhor, de acordo com a necessidade daquele momento. Portanto, é preciso evitar basear-se apenas em emoções ou na impulsividade. Caso a pessoa necessite futuramente defender a decisão tomada, é muito mais fácil e seguro expor os fatos e dados que a fundamentaram. Quem ‘acha’ não tem certeza e isso pode colocar uma determinação em cheque no mundo corporativo.