A divulgação recente do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, produzido anualmente pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), jogou luz sobre vários aspectos da violência e da criminalidade no país. Entre os mais sensíveis, está o da população carcerária. De acordo com o levantamento, elaborado a partir de dados do Sistema de Informações do Departamento Penitenciário Nacional (Sisdepen), exatas 832.295 pessoas estavam privadas de liberdade, sendo 826.740 no sistema penitenciário e outros 5.555 em delegacias e distritos policiais. E mais 91.362 pessoas estavam sob monitoramento com tornozeleira eletrônica.
O dado que mais chamou atenção no levantamento foi a alta quantidade de pessoas negras encarceradas, que foi a maior desde o início dos Anuários do FBSP, em 2007. Em 2022, elas eram 442.033, equivalente a 68,2% do total das pessoas presas. Já os brancos no sistema prisional eram 197.084 em 2022, ou 30,4% do total. Quanto à idade, a maior prevalência é de pessoas entre 18 a 34 anos, que somam 62,6% dos detentos. “São homens, jovens, pretos e de baixa escolaridade a grande massa de pessoas encarceradas, e isso nos faz refletir sobre o tema”, resume o professor Ronaldo Marinho, pesquisador e docente do curso de Direito da Universidade Tiradentes (Unit Sergipe).
Outro fato está na superlotação das cadeias. Todas as unidades prisionais do país somam hoje 596.162 vagas, mas ainda existe um déficit de 230.578 vagas. Em muitos presídios, as condições físicas são precárias: celas construídas para abrigar entre quatro e oito pessoas acabam juntando até 30. Isso reflete-se ainda nas políticas de reinserção social e de capacitação para o trabalho dentro das unidades prisionais, que compõem a chamada laborterapia e na qual os presos computam dias de trabalho e estudo redução de dias de pena. Estas políticas, de acordo com o próprio Anuário, alcançam apenas 19% da população carcerária.
Na avaliação de Ronaldo, as causas e implicações socioeconômicas conferem mais complexidade à questão da violência e exigem ações mais amplas do poder público e da sociedade. “Há um aumento do encarceramento por falta total de políticas públicas de tratamento da violência como um problema multifacetário. Não há uma estrutura de atenção ao adolescente em situação de risco, falta atenção à população dependente de drogas ilícitas, política de atenção ao egresso e uma alta taxa de reincidência que beira a 80%, o que quer dizer que, de cada 10 pessoas que cumprem pena, oito voltam a delinquir após a liberdade”, afirma.
Revendo as penas
Estes argumentos são utilizados para defender a adoção de políticas de desencarceramento, como a dos chamados Mutirões Carcerários, coordenados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Desde 2008, eles reavaliaram cerca de 400 mil processos de detentos junto às varas de execuções penais. Em consequência, 45 mil foram soltos por terem cumprido suas penas e outros 80 mil receberam benefícios de progressão de pena, liberdade provisória e trabalho externo. Na edição deste ano, iniciada nesta segunda-feira, 24, mais de 100 mil processos criminais devem ser revisados simultaneamente em todos os estados do país.
Ronaldo Marinho defende que estas iniciativas são necessárias para enfrentar os problemas do sistema carcerário. “As políticas de desencarceramento estão sendo aplicadas no sentido de reavaliar os processos, as penas e os direitos de progressão da pessoa encarcerada, mas a falta de políticas públicas de atenção ao egresso acaba por não reduzir a reincidência, isso impossibilita uma maior redução, porque quando essa pessoa volta para o sistema prisional é porque praticou crime ainda mais grave do que o primeiro”, argumenta.
Outra iniciativa neste sentido é o Projeto Reformatório Penal, um projeto de extensão desenvolvido desde 1995 pelo curso de Direito da Unit Sergipe, em parceria com a Defensoria Pública do Estado de Sergipe. Nele, defensores públicos e professores do curso orientam os estudantes no atendimento a pessoas que estão presas e não têm condições de pagar por um advogado.
O professor, que coordena o projeto, explica que, através destas atividades, os alunos e alunas estudam processos reais, atendem às pessoas nos presídios, produzem peças processuais e manejam recursos que visem reconhecer direitos das partes. “A população carcerária é impactada através do reconhecimento dos direitos e do acesso à informação sobre o estado do processo, os caminhos que serão trilhados, o tempo de cumprimento de pena de reclusão e os direitos à progressão de regime. A informação é também um bem precioso para quem está encarcerado”, conclui.
Asscom | Grupo Tiradentes
com informações da Agência Brasil