Ter um nome e sobrenome reconhecido oficialmente é um dos primeiros e mais importantes direitos do cidadão. É garantido pela legislação brasileira, que também permite que a mesma pessoa mude o próprio nome na certidão de nascimento, ato que passou a ser mais facilitado após a promulgação da nova Lei de Registros Públicos (14.382/2022), em vigor desde junho do ano passado. Ela permite que uma pessoa não precise mais recorrer à justiça para fazer essa troca no documento, bastando apenas fazer esse pedido no cartório.
As regras para mudança de nomes já vem sendo flexibilizadas há pelo menos 20 anos. Em 2002, a reforma do Código Civil permitiu que os noivos adotarem o sobrenome do outro no matrimônio, e que pessoas separadas, divorciadas ou viúvas recuperem os nomes originais de família. E em 2018, a partir de uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) permitiu que os cartórios fizessem a alteração extrajudicial do nome e do gênero para as pessoas transexuais.
“A gente só permitia mudança em caso de esse nome causar constrangimento ou no caso de uma pessoa transexual, que pode mudar, inclusive, para um nome que não tenha nada a ver com o nome original. A mudança de nome costumava ser burocrática e o prenome (primeiro nome) ainda é relativamente burocrático. Por uma questão de identificação, juridicamente a mudança do prenome traz um prazo, conforme está na nova Lei de Registro Civil, e, fora desse prazo, ela vai ter algumas exigências”, explica a professora Tatiana da Hora Andrade, docente do curso de Direito e responsável pelo Núcleo de Práticas Jurídicas (NPJ) do Centro Universitário Tiradentes (Unit Pernambuco).
Com isso, a pessoa maior de 18 anos pode procurar qualquer cartório do país, apresentando os documentos pessoais e pagando uma taxa que varia de R$ 100 a R$ 400. se a mudança do nome envolver bebês recém-registrados, a alteração do prenome deve ter a concordância dos pais. Em casos de suspeita de fraude ou crime, o oficial de cartório pode recusar o pedido e remetê-lo à Justiça. A lei determina também que a alteração do primeiro nome em cartórios só aconteça uma única vez, e outra mudança só ocorrerá com autorização judicial.
Outras hipóteses
Segundo dados da Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Brasil (Arpen Brasil), 7.231 pessoas entraram nos cartórios com pedidos de alteração do prenome, entre junho de 2022 e março de 2023, sendo 4.970 apenas nos seis primeiros meses após a entrada em vigor da nova lei. Já os pedidos de alteração de gênero na certidão de nascimento somaram 3.165 apenas no ano passado, contra 1.863 do ano anterior. Por outro lado, a adoção do sobrenome do esposo por mulheres que se casam caiu 30% ao longo de 20 anos, conforme a Arpen Brasil.
Todos esses procedimentos acabam facilitados com a nova Lei de Registros Públicos. “A mudança de sobrenomes era possível até o ano passado por casamento, divórcio adoção, viuvez e em caso de abandono afetivo mas sempre pela via judicial. Também era possível pela Lei de Proteção à Testemunha. A gente já tinha muita jurisprudência de nome social, de gente que não se identificava com seu próprio nome. E já tinha inclusão e exclusão de sobrenomes em razão da socioafetividade”, ressalta Tatiana.
A professora se refere aos casos de pessoas adotadas ou que passaram por processos de reconhecimento de paternidade, que recorreram aos cartórios para alterar o sobrenome na certidão, seja para acrescentar ou excluir sobrenomes ligados às famílias paterna ou materna, a depender de suas ligações ou afinidades afetivas. Um exemplo que ficou muito conhecido recentemente é o da cantora de funk Jojo Toddynho, que pediu a exclusão do nome da própria mãe biológica, alegando não ter nenhum laço afetivo com ela.
Para Tatiana, o direito de família atual considera muito mais a afetividade do que os laços biológicos. Entretanto, ela alerta que a pessoa, ao decidir fazer esse procedimento, deve estar devidamente decidida e fundamentada quanto aos motivos de ter tomado essa decisão, inclusive apresentando outros documentos. “É necessário cuidado para não praticar um crime contra a honra, por exemplo. Por isso, é importante que esse exercício de direito não deve gerar violações a outros direitos”, destacou.
A importância do nome
O nome e sobrenome têm uma relevância muito maior do que apenas constar em certidões e documentos. A coordenadora do NPJ/Unit PE afirma que eles estão ligados ao exercício de direitos, obrigações e poderes. “Estamos tratando de um direito da personalidade, que é direito fundamental do indivíduo ligado à dignidade da pessoa humana. Por isso, ele traz implicações jurídicas, tanto de natureza autoral quanto de natureza patrimonial. O nome acaba sendo referencial para o exercício de direitos como o poder de família (no caso dos pais ou dos representantes legais), é referência para a constituição de bens patrimoniais (existe um veículo no meu nome…), e traz muitas outras implicações de natureza jurídica”, destaca.
Asscom | Grupo Tiradentes
com informações da Agência Senado