“Imagine o Brasil ser dividido e o Nordeste ficar independente”. Não é apenas um devaneio imaginado nos versos do repentista Ivanildo Vilanova e do poeta Bráulio Tavares, o “Raio da Silibrina”. É uma causa que une um dos vários movimentos separatistas que se formaram no Brasil ao longo dos últimos anos, pregando que estados ou regiões deixem a República Federativa e se tornem países independentes, a exemplo do que querem os movimentos formados na Escócia (Reino Unido), na Califórnia (EUA), no País Basco e na Catalunha (ambos na Espanha).
Estima-se que existam hoje mais de 20 grupos e movimentos organizados que, ainda com poucas adesões, se manifestam publicamente pelas redes sociais, pedindo autonomia para seus estados. Só na região Nordeste, três grupos principais querem a formação de uma república com os nove estados. Outra região com presença desses movimentos é a Sul, formada por Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. E na região Norte, existe um grupo que pede a criação de uma República dos Povos da Amazônia.
Mas a maior concentração de grupos separatistas aparece nos estados de São Paulo e do Rio Grande do Sul, que já tiveram históricos de guerras civis travadas no passado contra o governo central. Foram, respectivamente, a Revolução Constitucionalista (1932) e a Revolução Farroupilha (1835-1845). Símbolos e fatos dessa época costumam ser evocados por esses movimentos, que também já fizeram plebiscitos informais que perguntavam às pessoas se querem ou não a independência dos estados. A consulta paulista foi chamada de “Sampadeus”, um trocadilho com a palavra “adeus” e inspirado no “Brexit”, o movimento que selou a saída do Reino Unido da União Europeia, em 2017.
Trata-se de uma causa que, à princípio, pode parecer justa, mas não têm nenhuma viabilidade jurídica e fere o princípio constitucional da união indissolúvel da República. “Ao estabelecer o princípio federativo de organização política do estado brasileiro, a Constituição assenta a indissolubilidade da união de Estados, Municípios e Distrito Federal, que forma a República Federativa. Uma característica essencial do princípio federativo de organização política é de que ele não garante o direito de secessão, ou seja, os países que adotam a forma federativa de organização política não admitem o direito de separação”, explica o advogado e professor Maurício Gentil Monteiro, titular de Direito Constitucional do curso de Direito da Universidade Tiradentes (Unit Sergipe).
Ele esclarece que a simples existência destes movimentos não infringe a lei, desde que seja compreendida como uma livre manifestação de ideias e pensamentos, mas que o objetivo deles “é impossível de ser realizado à luz das regras e dos princípios constitucionais”. Isso porque o governo federal tem meios legais à sua disposição para garantir o modelo federativo indissolúvel, intervindo em estados que possam tentar a independência, assim como a Espanha já fez na Catalunha em 2017. “Se no âmbito de algum estado brasileiro ou no Distrito Federal, vier a ser praticado atos concretos voltados à separação, a Constituição prevê esse mecanismo de intervenção federal para manter a integridade nacional”, mostra Gentil, referindo-se ao artigo 34 da Constituição brasileira.
Motivos?
Entre as principais queixas dos separatistas, está o “abandono” do Governo Federal em relação aos Estados ou regiões, que pagariam muitos impostos a Brasília e receberiam pouco retorno em troca, seja em recursos, investimentos e políticas públicas. Isso também foi pano de fundo para outros movimentos que ocorreram no passado, a exemplo da Confederação do Equador (Pernambuco, 1824) e das revoltas regionais ocorridas durante o Período Regencial (1831-1840), como a Cabanagem (Pará), Balaiada (Maranhão), Sabinada (Bahia) e Farroupilha (Rio Grande do Sul).
Mas não foi o único motivo. O professor da Unit aponta que “há uma pluralidade de motivações dos movimentos separatistas ao longo da história brasileira”, o que inclui interesses oligárquicos regionais e, “muitas vezes, por manifestações preconceituosas e discriminatórias, em especial de setores e segmentos das regiões Sudeste e Sul em relação ao restante do país”.
Asscom | Grupo Tiradentes