Os avanços da tecnologia criam a cada dia uma sensação de que estamos cada vez mais perto da realidade descritas em histórias de ficção científica, como as do livro 1984, de George Orwell, da série britânica Black Mirror e do desenho americano Os Jetsons. Elas mostram uma sociedade onde todos podem monitorar e localizar uns aos outros, seja por técnicas de comunicação ou de vigilância. Um exemplo disso está no reconhecimento facial, que permite a identificação imediata de pessoas através do rosto. Trata-se de uma tecnologia já utilizada amplamente em sistemas bancários e de segurança pública.
No Brasil, ele começará a ser testado nos aeroportos de Congonhas (São Paulo) e Santos Dumont (Rio de Janeiro), a fim de comprovar a identificação e os dados do passageiro apenas com a análise do rosto, sem a necessidade de apresentação de documentos. Os sistemas serão vinculados a aplicativos criados pelas próprias companhias aéreas, que farão os testes sob a coordenação do governo federal. A depender dos resultados, o novo sistema será expandido em breve para todo o sistema brasileiro de aeroportos.
O professor Izaac Duarte de Alencar, do curso de Ciência da Computação do Centro Universitário Tiradentes (Unit Alagoas), explica que a tecnologia de reconhecimento facial é possível graças ao uso de inteligência artificial com algoritmos de aprendizagem de máquina. “O principal objetivo desses tipos de sistemas é o reconhecimento de padrões em rostos de pessoas, como estrutura de nariz, distanciamento de olhos e outras que podem ser traduzidas em valores matemáticos. Isso tudo para que se chegue a uma identificação exata de um determinado indivíduo, e que, a partir dessa identificação, se traga dados mais detalhados sobre ele, como, por exemplo, o seu nome. Isso tudo, claro, tem que estar em uma base de dados pré-existentes, para que se possa fazer essa correlação”, disse ele.
Além dos bancos de dados com as informações das pessoas cadastradas, os sistemas de reconhecimento facial também precisam de sensores de captura de imagem, responsáveis pelo registro do rosto, e uma base de conhecimento com os dados biométricos faciais, que servirão de base de comparação com a imagem capturada. Izaac esclarece, contudo, que esse reconhecimento não é feito pelos softwares de câmeras de celular, que fazem apenas a detecção do rosto para ajustar o foco da câmera. “Nem toda a tecnologia de detecção facial é uma tecnologia de reconhecimento facial propriamente dita. Mas ao contrário, toda a tecnologia de reconhecimento facial se utiliza de uma tecnologia de detecção facial em primeiro momento, dentro do seu processo. Só que ele vai além: traz dados que identificam o indivíduo propriamente dito”, afirma o professor.
Uma das áreas que mais demandam atualmente o reconhecimento facial é a de segurança em bancos, arquivos e sistemas de controle de acesso, a fim de evitar fraudes e garantir que só a pessoa autorizada tenha acesso a determinados dados, recursos ou locais. Neste caso, segundo o professor, o rosto serviria como mais um fator de autenticação do usuário, assim como a biometria e a senha numérica. E é o que vem sendo utilizado por muitas instituições bancárias.
Questionamentos
Outro setor que tem recorrido a essa tecnologia é o da segurança pública, que tem identificado e capturado suspeitos de crimes a partir do reconhecimento facial de imagens. Na Bahia, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) contabilizou, em 2020, a prisão de 42 foragidos da Justiça que foram encontrados durante o Carnaval de Salvador, e de outros 33 na Micareta de Feira de Santana. Em outros países, como Estados Unidos e Inglaterra, o mesmo sistema é empregado em ações de prevenção contra ataques terroristas. Este uso, contudo, desperta discussões de especialistas quanto aos direitos individuais dos cidadãos, que estariam sendo violados com esse tipo de vigilância. “Isso tem causado uma polêmica, dependendo do cenário o qual esteja inserido esse sistema. Imagine que isso pode trazer uma hipervigilância em torno do indivíduo e ele pode ser rastreado sempre que estiver ao alcance desse tipo de sistema, o que pode ferir sua privacidade”, contextualiza Duarte.
Outra dúvida levantada pelos especialistas é sobre as reais garantias de segurança dos dados obtidos e processados através do reconhecimento facial e da biometria. Isso porque os bancos de dados que os guardam podem ser invadidos e roubados por hackers e grupos de cibercriminosos, cujo interesse estaria em principalmente acessar os sistemas bancários. De acordo com o professor da Unit, nenhum sistema de dados é considerado 100% seguro, mas algumas estratégias são adotadas para minimizar ao máximo os riscos de falhas de segurança. Uma delas é a da criptografia, utilizada em bases de dados e redes de computadores, que costumam ser associadas a outras camadas de segurança, como firewalls e outras restrições de acesso.
O professor Izaac ressalta que os próprios sistemas de reconhecimento precisam ter um cuidado maior em garantir a segurança e a privacidade de seus dados, desde a fase de projeto até a execução final, passando pela programação e pelo desenvolvimento. “Tudo isso deve ser observado e não somente a proteção dos dados em si. A proteção tem que ser do sistema como um todo, para que exista uma salvaguarda maior para aqueles que são afetados por esses tipos de sistemas”, resumiu.
Asscom | Grupo Tiradentes