Há 133 anos, em 13 de maio de 1888, um decreto assinado pela princesa Isabel, filha do imperador Dom Pedro II, proibiu a escravidão em todo o Brasil e declarava livres todas as pessoas que se encontravam nessa condição, em sua maioria negros trazidos à força da África. Era o fim de uma intensa luta travada desde o fim da década de 1860 por movimentos abolicionistas, que contestavam a exploração da mão de obra escravizada. No entanto, a conquista dos negros não foi completa e carrega até hoje uma enormidade de problemas e questões mal-resolvidas, como o racismo, a discriminação, a pobreza e a desigualdade.
Isso faz com que o Dia da Abolição dos Escravos seja hoje esquecido, malvisto e até contestado, principalmente pelos que atuam no movimento antirracismo. Para a pesquisadora Raísa Alves da Silva Almeida, mestranda da Pós-Graduação em Sociedade, Tecnologias e Políticas Públicas (Sotepp), do Centro Universitário Tiradentes (Unit Alagoas), a Lei Áurea significou apenas uma formalidade de uma movimentação pelo fim da escravidão, desenvolvida pelos que de fato lutavam pela causa.
“A Lei Áurea não pode ser entendida como um ato de generosidade, bondade ou ‘favor’. Pelo contrário: ela está mais próxima de um ato de medo em relação à imagem negativa que pairava sobre os países que ainda permaneciam no sistema escravocrata. A princesa imperial regente, atendendo muito mais aos interesses políticos e econômicos da elite da época, do que à pressão popular, fez editar a lei que pôs um fim formal à escravidão no Brasil. Entretanto, não poderia Isabel conferir a liberdade, pois ela já é inata a qualquer indivíduo, a lei editada apenas confirmou um direito inerente à população negra da diáspora”, disse a mestranda.
Esta espécie de “má-vontade” do poder vigente à época se depreende do número de artigos presentes na Lei n.º 3.353: apenas dois. O primeiro apenas declarava extinta a escravidão no Brasil desde a promulgação desta lei, e o segundo revogava todas as disposições em contrário. “Deste modo, a lei apenas impedia que pessoas negras continuassem a ser desumanizadas mediante a escravização. Não foram contemplados meios de reparação às agressões sofridas ou de garantia de direitos básicos. A Lei Áurea não é uma lei reparadora, apenas pôs fim a escravidão e abandonou a população negra à pobreza, à marginalização e à ausência de liberdade tangível”, define Raísa.
Para a mestranda, as pessoas negras deixaram de ser escravizadas, mas não poderiam desfrutar da liberdade de fato, pois não tiveram acesso nem mesmo a um plano de reforma agrária. Alguns abolicionistas da época sugeriram este plano à família imperial, mas ela acabou derrubada do poder em novembro de 1889, com o golpe militar que proclamou a República. “Não é possível ser livre sem terras, sem moradia, sem trabalho, sem respeito. Por mais que a escravização a partir do 13 de maio de 1888 fosse proibida, o preconceito, a discriminação e o não reconhecimento dos negros como seres humanos não desapareceram automaticamente do imaginário social brasileiro”, ressalta a pesquisadora, lembrando que essas consequências permanecem vivas, tanto nas diferenças de formação e de renda entre negros e brancos, quanto em episódios de violência.
Raísa afirma que a rejeição ao Dia da Abolição se deve a tudo isso e, mais ainda, à forma como essa data foi ensinada. “Acredito que pelo fato da História ter reverenciado a princesa Isabel por tanto tempo, como se ela fosse a responsável por ‘salvar’ o povo negro. O 13 de Maio por muitos anos foi propagado, sobretudo nas escolas, como uma data símbolo para a população negra, isto porque representaria uma espécie de benefício adquirido pelas pessoas negras que foram escravizadas no Brasil. Entretanto, a data mascara a ausência de justiça social conferida pela Lei Áurea, que não garantiu as condições mínimas para a sobrevivência digna da população negra”, criticou ela.
O anti-13 de Maio
Uma data alternativa, mais abraçada pelos movimentos negros, é o 20 de novembro, já oficializado como o Dia da Consciência Negra. Ela lembra a morte de Zumbi dos Palmares, líder do Quilombo dos Palmares, maior comunidade de escravizados fugitivos, que se formou ao fim do Século XVII na Serra da Barriga, em Alagoas. Zumbi foi morto em 1695 por uma expedição de bandeirantes paulistas.
“O principal símbolo que pode ser descrito como movimento que antecede a abolição e que representa de fato um símbolo para a população negra contemporânea na luta antirracista é Zumbi do Palmares. O Quilombo dos Palmares é o verdadeiro símbolo de resistência e a data de sua morte, 20 de novembro, é a data que representa a luta e resistência dos negros que foram escravizados no Brasil e que hoje inspira a luta antirracista”, cita Raísa sobre a data, que hoje é feriado estadual em Alagoas, Amazonas, Amapá, Mato Grosso e Rio de Janeiro, além de mais de mil municípios em todo o país.
Asscom | Grupo Tiradentes