As patentes de medicamentos e de vacinas estão em uma grande discussão: enquanto alguns defendem a prorrogação da validade delas por tempo indeterminado, outros reivindicam a quebra dessas patentes, para que governos e empresas de países menos desenvolvidos consigam produzir esses medicamentos. O debate ganhou força com a pandemia do coronavírus e chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF), através de uma ação que discutia a prorrogação da validade das patentes.
As patentes são concessões públicas fornecidas pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), que garantem os direitos exclusivos de uma pessoa ou empresa sobre pesquisa, marcas, produtos e serviços. Esses direitos incluem o de exploração comercial, assim garantido ao titular da patente, que pode executar essa comercialização ou autorizá-la a terceiros. A Lei de Propriedade Intelectual, que rege as patentes, fixa o direito de exclusividade por 20 anos, se for uma invenção de um produto, ou por 15 anos se for uma melhoria.
Em determinadas circunstâncias, pode acontecer a quebra da patente, tipificada legalmente como ‘licença compulsória’. “É uma espécie de autorização para uma pessoa que não seja a titular e explore o objeto que foi patenteado, dispensando todo o consentimento de dominante. Ou seja, o dono da patente perde temporariamente a exclusividade do seu produto. E nem sempre ela pode ser concedida em caráter de exclusividade e por prazo determinado. Porém, quem recebeu as informações da patente não pode publicar e nem dar nenhuma informação sobre a tecnologia”, esclarece Ila Natielle Neres dos Santos, analista de inovação do Instituto de Tecnologia e Pesquisa (ITP).
Tal validade poderia ser prorrogada por mais 10 anos, no caso da invenção, e mais sete para os aperfeiçoamentos. Ila explica que essa prorrogação era garantida por causa da demora no prazo de homologação dessas patentes, que em alguns casos chega a ser de até 15 anos. “No caso, quando o INPI concedesse a patente, a empresa farmacêutica teria mais uma década, mais ou menos, para ter exclusividade da comercialização no mercado. Quanto mais prorroga para que o medicamento fique no mercado, mais demora a acessibilidade do medicamento genérico”, diz ela, referindo-se aos remédios de baixo custo fabricados com base nos princípios ativos e fórmulas das patentes farmacêuticas não mais vigentes.
Nesta quarta-feira, 7, o artigo da LPI que garantia essa prorrogação foi suspenso por uma liminar do ministro José Antônio Dias Toffoli, do STF, sob o argumento de que ele prejudicaria a produção e o acesso da população aos genéricos e também às vacinas, sobretudo as desenvolvidas contra o coronavírus. “Ele informa [na decisão] que os custos elevados de vacinas produzidas pelos laboratórios privados e protegidos por patentes tornam impossível que países pobres consigam obtê-las, devido ao seu alto custo. Só que tanto a quebra de patentes quanto essa prorrogação dos prazos podem afetar mais de 35 mil patentes e causar um impacto econômico muito grande em vários setores”, pondera Ila.
A discussão é motivada pelas reclamações da população sobre o alto custo dos remédios e a concentração deles em poucas empresas. Os laboratórios farmacêuticos alegam que eles são caros devido aos custos com a pesquisa e desenvolvimento. A analista do ITP acredita que, apesar de abrangidos como propriedade industrial, os medicamentos considerados essenciais devem ter seu acesso facilitado à população, mas respeitando a exclusividade dos desenvolvedores. “O acesso dos medicamentos essenciais é um direito fundamental e por isso eles são tratados como bens públicos. Com a propriedade industrial, que no caso são as patentes, ela possui uma ligação com a elaboração das políticas públicas de saúde, quanto à implementação de uma política para o acesso de medicamentos. Aí é que vem o acompanhamento de toda a proteção de patentes, o que é essencial para que o governo possa estabelecer uma política de desenvolvimento industrial para que possa ser integrada à política de saúde do país”, afirmou.
Vacinas
Projetos sobre quebra de patentes de vacinas e medicamentos também tramitam no Congresso Nacional. Também na última quarta, o Senado Federal começou a discutir um projeto de lei que dispensa o Brasil de cumprir exigências da Organização Mundial do Comércio (OMC) e obriga os titulares a cederem ao poder público as informações necessárias para a produção das vacinas e dos medicamentos para enfrentamento do Covid. Essas medidas valeriam apenas para as vacinas e medicamentos já licenciados pela Anvisa, ou então pedidos de patentes de análise.
“No caso, o poder público é quem vai ter o direito temporariamente, mas deve assegurar a proteção das informações contra a concorrência desleal e práticas comerciais desonestas”, acrescenta a analista. Outras propostas nesse sentido também estão em debate na Câmara dos Deputados. As duas casas legislativas planejam colocar seus projetos em votação ainda nesta semana.
Ascom | Grupo Tiradentes