A legislação brasileira em relação às armas de fogo foi alterada em 2019, por iniciativa do Poder Executivo, que buscou facilitar o acesso legalizado ao porte e à posse de armas de fogo. Este debate voltou a acontecer por causa da tramitação, no Senado Federal, do PDL 55/2021, para sustar os Decretos 10.627, 10.628, 10.629 e 10.630 que regulamentam o Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826, de 2003).
O Estatuto dispõe sobre a aquisição, o cadastro, o registro, o porte e a comercialização de armas de fogo e de munição e sobre o Sistema Nacional de Armas e o Sistema de Gerenciamento Militar de Armas. Entretanto, após os decretos presidenciais, o número de armas que uma pessoa pode ter aumentou de quatro para seis, assim como um atirador pode ter 60 armas em sua posse e um caçador, 30, e o número de munições, foi até 2.000 para armas de uso restrito e 5.000 para armas de uso permitido, sob a justificativa de que são utilizadas em caça e competições.
Outros decretos estabeleceram novos parâmetros para o pedido de concessão de porte de armas; a desclassificação de armamentos, como armas de pressão, da qualificação de Produtos Controlados pelo Exército; e a regulamentação da atividade dos praticantes de tiro recreativo. Porém, alguns destes dispositivos dos decretos foram suspensos sob liminar pela ministra Rosa Weber, do Superior Tribunal Federal (STF).
Cabe explicar primeiro que posse e porte de armas são duas coisas diferentes. A posse permite somente o registro e autorização para comprar e ter armas de fogo e munição em casa ou local de trabalho, enquanto o porte é a autorização para andar ou utilizar o armamento. Isto é, a pessoa pode até ter uma arma de sua propriedade, mas precisa estar apto e autorizado para utilizá-la fora dessas situações.
Eduardo Pereira Santiago, professor doutor do curso de Direito da Universidade Tiradentes (Unit Sergipe), argumenta que, com exceção dos Estados Unidos, países como Inglaterra, Alemanha, França, Canadá, Japão, Coreia do Sul, Austrália e Nova Zelândia dispõem de legislações extremamente restritivas em relação à posse e ao porte de armas de fogo por parte da população. “É evidente que não há parâmetros para a comparação dos números de assassinatos por arma de fogo nos países integrantes do G-7, com o Brasil, mas é importante ressaltar tar que o discurso armamentista parte da premissa equivocada de que ter uma arma confere ao cidadão comum algum grau de segurança e autoproteção”, avaliou.
Riscos
Santiago comenta que as armas nas mãos da população terminam de forma inevitável por cair nas mãos da criminalidade ou provocar a morte da própria pessoa que a está portando e o argumento de “segurança” chega a ser incompatível com o discurso de proteção à vida, pois nos países com legislação mais permissiva em relação à posse de arma de fogo, como os Estados Unidos, o número de crimes por arma de fogo chega a ser três vezes maior que em outros países da mesma categoria. “Outro fator a considerar é a proteção à integridade física das mulheres, por exemplo, em relação ao feminicídio e violência doméstica, com as teses de flexibilização do porte de armas. Sem contar o alto número de assassinatos de jovens negros por arma de fogo”, alerta.
O professor, que também é coronel da Polícia Militar de Sergipe, acredita que somente esses dados, mostrados em pesquisas sociais sobre a violência, deveriam fazer com que a sociedade brasileira encare a questão como uma mazela social. “E que os governantes sejam cobrados para elaboração de políticas públicas que permitam a análise da questão a partir dessa constatação”, disse ele, pontuando que até a própria polícia deveria rever o uso de armas de fogo. “Deveria tornar o uso mais intensivo e até obrigatório de armas e equipamentos de baixa letalidade nas operações policiais mais comuns”, acredita.
Asscom | Grupo Tiradentes